foto by: Sylvie Dias

O Território da Reserva Natural das Berlengas

Contexto histórico-legal

O Arquipélago das Berlengas fica situado na plataforma continental portuguesa, a 5,7 milhas do Cabo Carvoeiro (Peniche), em pleno oceano Atlântico. É um arquipélago formado por um conjunto de ilhas de diferentes origens geológicas e recifes costeiros distribuídos por três grupos: Ilha da Berlenga, as Estelas e os Farilhões-Forcados. Administrativamente, a Reserva da Biosfera das Berlengas situa-se na freguesia de Peniche, Concelho de Peniche, Distrito de Leiria. Tem uma superfície total de 18 547ha, 700ha dos quais terrestres (área insular e continental) e insere-se nas quadrículas UTM MD56, MD57 e MD65.

Contexto histórico-legal

Devido à sua importância ecológica enquanto ecossistema insular, ao valor biológico da área marinha envolvente, ao elevado interesse botânico, ao seu papel enquanto habitat de nidificação e local de passagem migratória de avifauna marinha e à presença de interessante património arqueológico e natural subaquático, o arquipélago foi classificado como Reserva Natural da Berlenga (Decreto-Lei nº264/81, de 3 de setembro), em setembro de 1981. A área inicialmente classificada encontrava-se limitada por uma linha batimétrica de 30m em torno da Berlenga, ilhéus e área marítima.

No Decreto-Lei nº 293/89, de 2 de setembro é identificada a necessidade de definir uma capacidade de carga humana, por se considerar que as limitações até então impostas não eram suficientes para preservar e defender o património natural. A capacidade de carga é fixada mais tarde em 350 pessoas, dos quais se excluem todos os indivíduos que possuam residência habitual naquela área e que ali exerçam legalmente a pesca (Portaria nº270/90, de 10 de abril). Ainda no Decreto-Lei nº 293/89 são estabelecidas as atividades interditas na área protegida, nomeadamente;

a) pesca desportiva, exceto com as artes ou utensílios usados na pesca à linha;
b) caça submarina;
c) apanha de algas e de qualquer invertebrado marinho;
d) sazonalmente o mergulho recreativo na área entre as "Buzinas″ e a "Pedra Negra" (de 01/02 a 01/07);
e) trânsito ou permanência de qualquer embarcação a uma distância inferior a 50 m da linha da costa na área entre as "Buzinas" e a "Pedra a Negra" entre 01/02 e 01/07, exceto se estiver a exercer a pesca comercial;
f) utilização de amplificadores de som para o exterior, a partir das embarcações;
g) prática de motonáutica competitiva.

Em 1998 é criada a Reserva Marinha da Berlenga, através da Resolução do Conselho de Ministros nº85/98 e, mais tarde, a classificação da Reserva é revista pela aprovação do Decreto Regulamentar nº30/98 de 23 de dezembro, passando a designar-se Reserva Natural das Berlengas (RNB). Assim, passou a integrar a Reserva todo o arquipélago das Berlengas (Ilha da Berlenga, as Estelas e os Farilhões-Forcados) e uma área marinha situada na envolvente do arquipélago. Neste momento a área total da RNB é de 9 541ha, dos quais 99ha são terrestres e 9 442ha marinhos.

O valor e importância desta área para a conservação da Biodiversidade a nível europeu foram posteriormente reconhecidos ao ser classificada como Sítio Arquipélago da Berlenga (Resolução do Concelho de Ministros nº142/97 de 28 de agosto) e como Zona de Proteção Especial para Aves Selvagens (Decreto-Lei nº 384B/99 de 23 de setembro), passando a ser integrada na Rede Natura 2000.

Em 2011 a área integrou também a Rede de Reservas da Biosfera da UNESCO, tendo sido declarada a Reserva da Biosfera das Berlengas (RBB), que incluí a totalidade do arquipélago bem como a área marinha adjacente, até uma profundidade máxima de 520m, e a área peninsular de Peniche com uma área total de 19.020,4ha. A RBB é gerida pelo Grupo de Trabalho Permanente, o qual inclui o Município de Peniche, a Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar – Instituto Politécnico de Leiria e Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas.

Na RBB têm sido implementados diversos programas de conservação, nomeadamente:

i) o Projeto estratégico de cooperação internacional FAME (Future of the Atlantic Marine Environment) que envolve 5 países europeus e vários parceiros, tendo sido realizadas diversas ações nas Berlengas, relacionadas essencialmente com a monitorização de avifauna;
ii) o Projeto LIFE+ Marpro (LIFE09 NAT/PT/00038) 2011-2015 que visa a conservação de espécies marinhas protegidas na costa Portuguesa, nomeadamente através da redução de conflitos entre a pesca e mamíferos e aves marinhas;
iii) o Projeto M@rBis que visou mapear e caracterizar os habitats marinhos e espécies presentes na área marinha que envolve o arquipélago;
iiv) programas anuais de controlo da população de gaivotas (Larus michahellis) e de espécies de flora invasoras (desenvolvidos pelo ICNF);
v) o projeto LIFE Berlengas (LIFE13 NAT/PT/000458) 2014 – 2018 que inclui 35 ações e intervenções concretas e que procura a sustentabilidade da gestão e da conservação da Zona de Proteção Especial das Berlengas.

Património biológico da Reserva Natural das Berlengas

As suas características únicas, nomeadamente geográficas e climáticas, tornam a vegetação da área da Reserva peculiar. Na área da Reserva Natural das Berlengas foram inventariadas 128 espécies vegetais (Gomes et al., 2004). Entre estas espécies destacam-se 4 endemismos exclusivos deste arquipélago, dos quais 2 se encontram incluídos no anexo II da Diretiva Habitats (Decreto-Lei n.º 140/99 de 24 de Abril com a redação dada pelo Decreto-Lei n.º 49/2005 de 24 de Fevereiro e alterado pelo Decreto-Lei nº 156-A/2013, de 8 de agosto): Armeria berlengensis, Herniaria lusitanica subsp. berlengiana e Pulicaria microcephala e Echium rosulatum subsp. davaei. Além destas espécies de elevada importância, existem outras que merecem também destaque, por serem espécies endémicas de Portugal (Linaria amethystea subsp. multipunctata) e da Península Ibérica (Angelica pachycarpa, Scrophularia sublyrata e Calendula suffruticosa).

A existência de ventos fortes e de solos muito esqueléticos condicionam a instalação da vegetação, justificando a ausência de espécies arbóreas na área do arquipélago. As falésias costeiras expostas aos fortes ventos marítimos assumem particular importância, possibilitando a existência de vegetação de fendas mais ou menos terrosas, própria de rochedos graníticos litorais (habitat 1230 – habitat existente em apenas mais um Sítio Rede Natura em Portugal), bem como a existência de vegetação anual primaveril (1310) de arribas graníticas nitrofilizadas em consequência da utilização e nitrificação de avifauna e de matos helonitrófilos (1430), compostos por caméfitos e nanofanerófitos frequentemente suculentos.

Relativamente aos habitats, merecem especial destaque os recifes (habitat 1170), de origem rochosa, bem como as grutas marinhas submersas ou semisubmersas (habitat 8330), onde vivem comunidades bentónicas vegetais e animais, e ondem ocorrem comunidades não bentónicas associadas em apreciável estado de conservação.

A área da Reserva tem uma enorme importância para a avifauna, tanto para diversas espécies que ocorrem ocasionalmente na ilha, utilizando-a como escala nas suas migrações, como para espécies residentes, que aqui têm populações nidificantes estáveis. De entre as últimas, destaque para algumas aves marinhas como o airo (Uria aalgae), espécie em cuja população residente em Portugal (apenas no arquipélago das Berlengas) se encontra Criticamente em Perigo (CR) (Cabral et al., 2006), a cagarra (Calonectris diomedea), que apenas ali permanece durante o período de nidificação e que está classificada como Vulnerável (VU) (Cabral et al., 2006), e para o corvo-marinho-de-crista (Phalacrocorax aristotelis) que está presente todo o ano e nidifica nas falésias, também classificada como Vulnerável (VU) (Cabral et al., 2006). Destaca-se ainda a presença do roquinho (Oceanodroma castro), sendo este o único local na área continental europeia onde esta espécie classificada como Vulnerável (VU) (Cabral et al., 2006) nidifica

No que diz respeito à herpetofauna existente no arquipélago, destaca-se a presença da subespécie Podarcis carbonelli subsp. berlengensis, endémica das ilhas Berlengas.

A região marítima da RBB tem uma elevada biodiversidade, sendo as suas águas ricas em peixes e mamíferos marinhos, algas marinhas e outros organismos marinhos. Trata-se de uma zona de confluência de faunas de origens diversas, apresentando espécies próprias da orla litoral e outras oriundas do mar alto e que, com menor frequência, chegam à costa continental. Por outro lado, as correntes marítimas ascendentes, com origem em águas profundas, contribuem para a elevada produtividade das águas e para o desenvolvimento de uma fauna aquática que inclui populações de peixes com evidente interesse comercial.

As águas em redor das ilhas do arquipélago ainda albergam grande diversidade de peixes, tais como o robalo (Dicentrachus labrax), o sargo (Diplodus spp.), o pargo (Pagrus pagrus) e a dourada (Sparus aurata). Nos anos 50 era ainda um importante local de desova do cação (Galeorhinus galeus). O mero (Epinephelus marginatus), espécie de grande valor conservacionista, surge sobretudo nos Farilhões.

As condições oceanográficas favorecem a ocorrência de uma ictiofauna abundante e variada, que frequentemente inclui a presença de grandes cardumes de sardinha (Sardina pilchardus) e de outras espécies pelágicas, a qual motiva a presença de diversas espécies de mamíferos marinhos, maioritariamente incluídos na Ordem Cetaceae, nomeadamente o golfinho-comum (Delphinus delphis), o roaz-corvineiro (Tursiops truncatus), o bôto (Phocoena phocoena), o golfinho-riscado (Stenella coeruleoalba), a baleia-anã (Balaenoptera acutorostrata) e o zífio (Ziphius cavirostris) (Cabral et al., 2006).

A área da reserva está sujeita a diversos fatores de pressão, que podem contribuir de forma mais ou menos significativa para a deterioração dos valores naturais aí existentes. Entre esses fatores de ameaça encontram-se a presença de espécies de flora invasora, como o chorão (Carpobrotus edulis), a sobrepopulação de gaivotas-de-patas-amarelas (Larus cachinnans) e de coelho-bravo (Oryctolagus cuniculus), a pressão turística e a pesca ilegal.

Principais atividades económicas e culturais - Pesca e apanha de marisco

O concelho de Peniche encontra-se intimamente ligado ao mar e aos seus recursos, quer por condições naturais, quer pelas condições infraestruturais criadas ao longo do tempo. Assim, a pesca é um dos principais motores da economia local, estando ligado à história e cultura da região. A comunidade piscatória de Peniche é uma das mais antigas do país, dispondo de uma das mais vastas frentes marítimas e, na zona centro, é a que conta com o maior número de pescadores no ativo (INE, 2010b). A atividade da pesca constitui, tanto de forma direta como indireta, a mais importante atividade económica e social da zona (Moreira, 1987), sendo que na sua capitania se encontram registados 1.090 pescadores e 789 embarcações das quais 422 com motor (INE, 2010b). O porto de pesca de Peniche é o principal porto de pesca de toda a zona centro (Moreira, 1987; ICNB, 2007), pela quantidade de embarcações de pesca que o utilizam, volume de pescado transacionado em lota e importância económica da pesca polivalente costeira (INE, 2010a). A arte do arrasto costeiro e do cerco coloca igualmente a lota do porto de Peniche como primeira em volume de vendas (INE, 2010a). Nesta zona, as espécies que mais se destacam pela sua abundância são a sardinha, o atum e similares, o robalo e o linguado (Santos et al., 2012).

A pesca encontra-se regulamentada na Reserva pelo Decreto-Lei nº 293/89 e pela portaria nº174/90, de 8 de Março. Algumas artes de pesca encontram-se interditas nesta área, nomeadamente a pesca de arrasto, sendo aprovada a utilização exclusiva das seguintes artes de pesca: linha de mão, vara e salto, corrico, palangre e espinhel. Ainda assim, até para a utilização destas artes de pesca foram estabelecidas algumas limitações. Define-se ainda na portaria que o acesso à área marinha fica limitado a embarcações até 100t de arqueação bruta. Apesar das diversas limitações impostas, o número de embarcações que pesca na área da reserva não se contra controlado, nem a quantidade de peixe pescada.

Assiste-se, no entanto, a uma diminuição progressiva da importância das pescas na economia do concelho, refletida no índice de ocupação de ativos (embora continue a representar 20% da população ativa do concelho) e na quantidade de pescado descarregado. Ainda assim, este setor continua a ser muito importante no valor e nas implicações económicas tanto em termos diretos como indiretos. De facto, a pesca potencia em si muitas outras atividades, que vão desde a construção das embarcações até à transformação e comercialização do pescado (ICNB, 2007).

Outra das atividades de grande relevo na região é a apanha de percebe, uma vez que este é um produto de elevado valor económico e gastronómico.

A apanha de percebes já foi totalmente interdita na área da Reserva Natural das Berlengas, mas foi regulamentada no ano 2000, pela Portaria n.º 378/2000, de 27 de Junho, sendo permitida em certos locais e durante alguns períodos do ano para apanhadores profissionais, estando totalmente interdita a apanha com fins lúdicos. Alguns pontos desta regulamentação foram revistos em 2011, pela Portaria n.º 232/2011, de 14 de junho. Nestes documentos estabelece-se um teto máximo para a apanha de percebes na área da RNB, sendo que apenas são emitidas 40 licenças de apanha para a área. Na área da Reserva a época de apanha de percebes contempla 2 períodos distintos: entre abril e junho e entre outubro e dezembro. Durante estes períodos a apanha apenas pode ser realizada três dias por semana (às terças-feiras, quartas-feiras e quintas-feiras, desde que não sejam dia de feriado nacional), sendo que a quantidade de percebes se encontra limitada a 20kg “em bruto” por dia por cada apanhador profissional devidamente licenciado. Metade do volume total da apanha deve conter percebes com RC (distância máxima entre o bordo externo das placas rostrum e carina da “unha”) igual ou superior a 23 mm.

O arquipélago encontra-se dividido em três zonas (A, B e C). A apanha do percebe é permitida nas zonas A e B, e sempre interdita na zona C. Em cada ano, cada apanhador tem que preencher dois manifestos de captura correspondentes aos períodos: abril a julho; e outubro a dezembro. Estudos e projetos anteriores recomendaram e identificaram que a apanha do percebe nas Berlengas tem um grande potencial para se aplicar um processo de cogestão (Cruz et al., 2015; WWF, 2015a). A cogestão é um processo que implica “um conjunto de acordos com diferentes graus de partilha de poder, permitindo a tomada de decisão conjunta do governo e dos utilizadores sobre os recursos ou sobre uma área” (Gutierrez in WWF, 2015b) e tem sido apontado como uma forma de assegurar a sustentabilidade económica, social e ambiental da pesca (WWF, 2015b).